QUANDO A BOLA ENSINA

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Por que não formar um time da vila?
Nome e camisa de time tradicional, primeira divisão. Exceto os quais torcíamos.
Rejeitávamos vestir o manto sagrado dos rivais.
A oferta de camisas não era abundante naquela época.
Comprávamos separadamente camisas, números e distintivos para as mães costurarem.

                                                

O Cruzeirinho, nossa primeira aventura.
Bola, dentro de casa, era palavra proibida dependendo das minhas notas. No caso, o ano inteiro! Quem tem filhos e se irrita com vídeo game, sabe bem do que estou falando.
Me privar de certos luxos, foi a maneira encontrada pelos meus pais de dificultarem minha ascensão no esporte.
Meus amigos tinham chuteira, eu me virava com chinelo de dedo.
Economizar no meião, para degradar minha qualidade técnica, não fazia parte do meu plano de carreira.
Certa vez, disputando uma partida no campinho onde hoje é o estacionamento do Extra (antigo Barateiro da igreja Matriz) fiz o gol da partida, num belo chute de direita.
Naquele dia descobri que o slogan “não soltam as tiras” era propaganda enganosa.
Voltei pra casa apenas com o pé esquerdo.
Não tínhamos camisa de goleiro, ninguém queria essa posição.
Mas alguém precisaria ser designado para a função.
O primeiro critério seria quem não gostasse de futebol!
Celso teve a unanimidade. O japonês que preferia os estudos à bola, não vingou!
O segundo critério: o pior garoto que jogasse na linha.
Eu preenchia o requisito.
A contra gosto, mas vendo que a paciência dos meus amigos estava se esgotando para comigo, aceitei o desafio a fim de não ter a carreira encerrada precocemente.

Na manhã de 1° de maio de 1978, entramos às escondidas (como sempre) no clube da Chácara 3 Irmãos. Neste mesmo dia, à tarde, seria televisionada uma partida de futebol. Não lembro qual jogo foi, mas sei que o goleiro Emerson Leão, ídolo dos palmeirenses estava em campo.
Quadra descoberta, pequena, chão áspero e traves sem redes.
Jogamos contra um time formado pelos sócios do clube.
Foi o jogo da minha infância, peguei até pensamento.
Naquele dia, tive meu momento de Leão!
Acharam um lugar pra mim!
De última opção a ser escolhido nas peladas, passei a ser o primeiro e ainda hoje disputo campeonatos.
Rubens sem dúvida era o mais habilidoso além de ter o porte físico avantajado. Lembrava muito o Serginho Chulapa dos tempos de São Paulo. 
Dú também jogava demais, era rápido, de bom passe e fazia ótima dupla com Rubens.
Piquy tinha um bom chute e corria bastante. Aliás, quem não corria muito com a nossa idade? 
Douglas é a resposta.
Douglas tinha a mesma vontade de jogar futebol quanto eu de aprender matemática.
Alto, corria de forma desordenada. 
Às vezes, durante a partida, sorria por nada, parecendo levar o jogo como brincadeira de criança. Não que ele estivesse de todo errado...
Ainda assim, ele era melhor que eu com a bola nos pés. 
Mais tarde Douglas mostrou-se um ótimo jogador de basquete.
Rubens e Du também acumulavam outras funções.
Presidente e vice do Cruzeirinho numa misteriosa auto eleição! Também se auto nomearam diretores financeiro.
Rubens também era o técnico, dava bronca e substituía jogadores. Isso quando o Celso se dispunha a ficar sentado à margem do campinho,  esperando alguém cansar para ele entrar. O problema é que ninguém cansava.
Decidiram que o time não poderia mais suportar tantas derrotas consecutivas e uma mudança radical no elenco deveria ser feita.
Solução mais lógica: mudar de camisa.

Passaríamos a ser o Internacional de Porto Alegre. O Cruzeiro não dava “sorte”!
- Mãe! Preciso de dinheiro para comprar camisa, calção e meião – naquele momento eu já usava uma conga azul.
- Vai pedir pro seu pai! – danou-se, pensei.
Meu pai tirava um cochilo numa confortável “cadeira do papai”. Giratória, tinha uma alavanca para ajuste do encosto de cabeça.
Fiquei sentado no sofá, de frente para ele, temperando na sudorese, esperando que acordasse. Então fiz o pedido.
Ele esticou-se, pôs a mão no bolso direito de sua calça de tergal e meu deu o dinheiro. 
Surpreso e feliz, saí de lá pulando de alegria. 
Aparentemente boba, esta lembrança está vivíssima em mim!
Ainda bem que não estamos em vídeo, senão teria que pausar para me recompor...
Camisa vermelha com golas brancas, calções e meiões brancos!
Com o Inter veio também nossa torcida organizada.
Sem dúvida essa fase foi a mais legal!
Mas toda torcida organizada que apoia, cobra na mesma proporção.
Nas reuniões do time, eles estavam presentes, reunião de logística (contra quem e onde jogaríamos) eles estavam presentes, momentos de lazer do elenco (futebol de botão, pega-pega, esconde-esconde) lá estavam nossos torcedores.
Já os considerávamos nossos irmãos... 
Na verdade, eram nossos irmãos mais novos!
Tuco e Neno, irmãos do Rubens e o Fábio, meu irmão.

Torcedores e seus “ídolos” unidos num só objetivo! Picar revistas e jornais velhos para nos recepcionar durante a entrada em campo. 
Graças a Deus, não manuseavam rojões!
Sábado de uma manhã ensolarada!
Deixamos a concentração (vilinha), subimos (a pé) a Felipe Camarão em direção ao estádio (campinho de terra, cheio de pedras, com uma trave e sem rede).
De carona, a nossa “imensa” torcida, carregando alguns sacos de papéis picados.
Piquy desfalcaria nosso time na estreia.
Não me lembro se apenas para completar o time adversário, ou se ele foi respirar novos ares com outro grupo de amigos. 
Fato é que, ele e seus novos amigos jogavam pedras e esmurravam nosso “vestiário” (um barraco de madeira de 2x2m² (usado sei lá por quem pra fazer sei lá o quê) a fim de nos desestabilizar emocionalmente.
Já vínhamos uniformizados de casa (concentração) porém, uma chuva de papel picado só faria sentido, se jogada sobre um time que sai correndo do seu vestiário.
E esta foi minha última lembrança desse dia, a festa carinhosa dos ilustres torcedores Tuco, Neno e Fábio!
Hora de trocar de time, o Inter estava desgastado, então, pensamos em fundar o Monterrey.
Rubão também se meteu a designer, rascunhando um escudo para o novo time: 
Participei do “dia histórico”, quando a letra M com uma coroa em cima foi desenhada diversas vezes numa folha de caderno.
Nem tudo eram flores dentro do grupo e quando Piquy trouxe 2 novos amigos, desestruturou o elenco.
Nome de craque e tamanho de craque. Mas com a bola no pé, o gente boa Zico não fazia jus ao nome, ainda que não fosse caneludo.
Montezuma era goleiro e, apesar de não conhece-lo bem, a posição que jogava era um convite à desarmonia.
Acabei aceitando um convite para ir ao Japão...
Rua Japão, no parque 7 de setembro, Diadema.
Em dezembro de 1981, encerrava-se meu ciclo de 8 anos na vilinha.
Fui o último a chegar e o primeiro a sair desse lugar de tantas recordações maravilhosas.
Ali aprendi a me defender, me relacionar, respeitar, ouvir, falar e, logicamente jogar bola...
Me mudei antes da fundação do Monterrey.
Quantas saudades!
Este capítulo marca a mudança de residência, mas não o fim das histórias da nossa amada Vilinha!

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