22, O PEDAÇO DA SEMANA QUE A HISTÓRIA NÃO CONTOU!

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22, O PEDAÇO DA SEMANA QUE A HISTÓRIA NÃO CONTOU!

Ela entrou na cafeteria como se quisesse “matar” o primeiro que cruzasse o seu caminho.

Colérica, estava cega para o seu redor.

Dirigiu-se ao balcão, só uma bebida poderia tranquilizá-la.

 

Sentado à mesa, sob a penumbra de uma arandela, ele a observava.

A braveza daquela mulher o transportava para um delicioso passado. Sorria por dentro ao lembrar da “pimentinha” que conhecera na escola.

Enquanto esperava pela bebida, deu uma olhada rápida para reconhecer o ambiente.

 

No canto do aconchegante recinto, ela o viu sem reconhecê-lo. Aquecida pelo calor da sua indignação, descalçou as luvas que a protegera da neve que caía sobre Berlim.

Continuava linda... E brava, ficava mais linda ainda!

Sabia que não seria reconhecido.

Ela tinha memória de peixe! -  pensava ele.

 

Pegou sua bebida e foi sentar-se à uma mesa próxima a dele, que por sua vez, fez de conta não nota-la.

Datilografava seus poemas, seus olhos magnetizados por aquela mulher, o impediam de ver as letras que estavam sendo impressas.

O tec tec das palavras datilografadas lhe agradava.

De súbito, parou de bebericar. Ficou paralisada, olhando para o nada, arrepiou-se!

 

Parecia reconhecer aquele som traduzido em estilo de escrita vindo da máquina de escrever.

Mal sabia ela que estava embarcando na mesma viagem que o seu vizinho de mesa.

- Mais calma? – arriscou lhe questionar.

No susto, voltou à realidade. Olhou em direção ao homem de forma incrédula. Alguém falando sua língua em terras germânicas?

Quis ignorá-lo, mas no fundo tinha que saber quem era o conterrâneo. Ele sabia que a curiosidade era um dos seus pontos fracos.

 

- Estou sim, obrigada! – formal educação, continuou a bebericar, e olhar pra frente como quem busca uma resposta para várias perguntas.

Ele continuou a escrever.

Ela voltou ao passado!

 

Deixava escapulir discretos sorrisos. Ao mesmo tempo, balançava a cabeça achando-se ridícula por estar sendo tomada por doces lembranças. Logo ela, que fazia questão de não mostrar doçura. Talvez para se proteger das desilusões que a vida lhe impusera.

Ainda que lutasse contra, não podia negar o prazer sentido com as boas recordações.

 

Para ele, as recordações do passado o tomavam de forma avassaladora, era como um bálsamo para curar as chagas do seu coração.

 

Eles não se viam já há alguns anos.

Desde o colégio preparatório para a faculdade.

Mais tranquila, a sensação de inquietude cedeu seu lugar para um delicioso bem-estar. O sorriso expulsava do rosto, o semblante carrancudo de quem brigara com o mundo.

Lembrou-se de quando se reuniam para estudarem juntos em sua casa.

A fase desafiadora que separa a vida adulta da adolescência, chegara para ambos.

Mas para ela, estava sendo perturbadora!

Enquanto muitos fugiam do seu convívio, ele permanecia ao seu lado. Era o único disposto a lhe oferecer paciência.

Ela não entendia o porquê, ele sim, mas não conversavam sobre.

 

Certa vez, enquanto a amiga enfrentava uma crise diante de um obstáculo matemático, decidiu ajudá-la.

Obviamente fugiu dos números, mas atravessou a rua e foi à loja da Dona Lola comprar pincel e algumas tintas.

Fechou seu caderno e segurou carinhosamente sua mão. Nela depositou o material artístico e disse:

- Vamos, pinte! Vai te fazer bem!

- Obrigada mas não quero! Não tenho o menor talento pra isso...

Silenciosamente a abraçou e assim ficaram por cerca de dez intensos minutos.

 

Mais calma e sabedora que ele não desistiria de vê-la pintar, cedeu.

O resultado foi incrível!

Para ele, uma obra prima.

Para ela, um lixo.

Mas como quem tem amigos tem tudo, aceitou o elogio.

 

Embarcou pra Alemanha poucos meses depois.

O amigo ficou e cada um seguiu o seu caminho.

 

- Onde estaria ele agora? O que faz da vida? – pensou num raro momento  de saudosismo.

Conectados, ele se fazia as mesmas perguntas pra si, até poucos minutos antes quando se assustou com o bater da porta da cafeteria.

Interrompendo a lúdica viagem e deixando-a contrariada, puxou conversa:

- Pelos sorrisos que observo, acho que você está bem melhor!

- Estou sim, obrigada – de forma novamente protocolar. De novo cuidando da minha vida? O que deu nesse homem? – pensou.

 

Percebendo que tomaria o último gole d´água antes de deixar o lugar, foi para o tudo ou nada:

- Que bom você ter continuado a mesma pessoa! Né, Anita?

Anita se engasgou e quase cuspiu toda água que acabara de ingerir!

- Quem é você? – perguntou incrédula!

E se levantando da mesa equipada com a máquina de escrever, foi em direção à amiga:

- Boa noite cabecinha de pudim!

 

Um longo abraço de incontáveis minutos, colocou os amigos no mesmo barco, que reiniciou uma viagem pelos quatro cantos do passado.

 

Se lá fora, os termômetros registravam temperaturas negativas, abraçados, estariam perto dos 100 graus Celsius.

Anita se formara professora e quando foi a Berlim, dedicou-se à pintura, arte na qual, só o amigo achava que ela tinha o dom.

Se até a água, a 100°C, se contorce freneticamente dentro da caneca, imagine a vontade de beijar?

Um primeiro beijo de iguais incontáveis minutos selou o reencontro.

 

- Por que a irritação entrou aqui de braços dados com você?

- Lobato!

- Sempre ele...

- Ele vive a criticar minhas obras. Me tira do sério! Não sei se é pessoal ou profissional...Não estou sabendo lidar com isso!

- Já sei! Vamos dar uma rasteira no Saci, por fogo no milharal, eliminar o Visconde e por último, jogamos a boneca pela janela, se ele não explicar o motivo dessa antipatia.

Anita gargalhou! Como nos sonhos que o acompanhavam desde que se separaram.

Foi como música para os seus ouvidos.

 

O senhor Lobato ainda o incomodaria por algumas encarnações! Trocaria em seu nome, apenas o “b” pelo “l”. Não seria mais o grande escritor infantil, mas uma “Cuca” dia e horário marcados para sumir da cabeça do jovem escritor.

 

Limpando sua mente, preferiu dedicar-se à Anita!

Acompanhou a amiga até a casa que lhe servia de morada!

Atravessaram a neve e os termômetros abaixo de zero. Abraçados, pouco se importaram.

- Está muito frio! Você não sai daqui hoje! – ela o intimou.

 

Aceitou de muito bom grado o inesperado mas desejado convite.

Se a 100 graus a água ferve e o beijo não resiste, que dirá o sexo!

Se entregaram!

A paixão explodira em saudade, vontade, ternura...Sentimentos desconexos fizeram daquela madrugada gelada, a mais quente que poderiam ter vivido.

Toques, cheiros, beijos, abraços e no tempo mais que perfeito, chegaram ao ápice!

 

Voltaram ao Brasil tropical!

Anita despontava como ícone artístico em solo verde amarelo.

A paixão entre os amigos, só fazia aumentar!

Procuravam viver intensamente os poucos minutos que o relógio em comunhão com a agitação diária, lhes permitia.

Juntaram-se a outros gênios modernistas deixando um forte legado para as gerações futuras. Um Brasil que se tornou quase uma Alemanha sem neve. De um povo que respira cultura e educação!

 

Entre esses gênios, Heitor.

Compositor e instrumentista de vários gêneros musicais, Heitor gostava mesmo era de samba enredo.

Mangueira, Salgueiro, Portela, ao longo dos anos suas composições ecoaram para o mundo a partir do Rio de Janeiro. Discreto porém, pediu anonimato. Ninguém sabia que ele compunha.

 

O casal apaixonado buscava o friozinho sempre que podiam.

Queriam sentir novamente o doce momento do reencontro em solo europeu.

Não era raro o amado sair pelado na rua, no meio da madrugada e gritar “Eu te amo” voltando em seguida correndo pra debaixo das cobertas. Traquinagens de menino de 5ª série talvez.

Também não era raro Jane cuidar do seu Tarzan durante as gripes!

Um dia, Tarzan se foi... Não resistiu à uma dessas fortes gripes que o acometera.

À beira do seu leito de morte, Heitor segurava firme e carinhosamente sua mão. Haviam se tornado grandes amigos.

Todos sabiam que não era o fim, mas o início de um recomeço, ainda que dois deles não fossem se reencontrar.

Mas aí, já é outra história a ser escrita.

Anita ainda pôde ouvir um último “Eu te amo”.

 

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